Entrei em maio com cinco assuntos para falar por aqui. Ouvir o mesmo comentário repetidas vezes, de pessoas próximas e colegas que mal conhecia, ajudou a escolher com qual seguir. Então vem comigo.
Em tempos de inteligência artificial, meu convite é focar nas histórias das pessoas, de onde pode vir a força mais surpreendente que você ou sua equipe podem encontrar- e uma habilidade que o ChatGPT nunca vai ter, porque não está dentro do seu projeto ou organização.
Há quase 20 anos escuto e conto histórias. Quem me conhece certamente já escutou em alguma conversa 'isso dá um filme"; 'essa história é uma campanha"; "isso rende uma reportagem" - e, logo depois, me viu tomando notas.
Quando fundei a FALA, fiz questão de grifar ao nome: histórias para não esquecer, porque acredito no poder de cada uma para inspirar e mudar outres.
É "resistência humana", diz meu colega Bruno Paes Manso no último episódio do podcast República das Milícias.
Histórias podem nos colocar no lugar do outro, gerar empatia ou indignação e levar milhares às ruas. Não dá para falar sobre histórias sem olhar para o que vimos nas últimas semanas: o ataque brutal a um homem negro vítima de ataques racistas em um campo de futebol e punido com expulsão.
Os atos racistas contra o jogador Vinícius Júnior podem ser contados nas 48 horas que se seguiram: árbitro demitido; o clube Real Madrid anunciando (enfim) que não vai (mais) passar pano; o outro time, Valencia, multado em cerca de R$ 240 mil pelo comportamento criminoso de seus torcedores; a La Liga, que gerencia o campeonato espanhol, em xeque, com patrocinadores riscando o chão; o governo brasileiro cobra justiça; humorista branco brasileiro que defendeu que piadas racistas cabem no humor reavaliando a rota (e a resposta foi péssima, e vários do grupinho seguiram em defesa… do colega); uma campanha no Brasil "Com racismo, não tem jogo". Uma das últimas notícias mostra que a campanha de Vini pode impactar a eleição da extrema direita na Espanha.
Encontrar aquela história que pode fazer tudo mudar ou transmitir a essência de um projeto não é corriqueiro para ninguém. Escolhi me especializar em gente ainda na faculdade. Lembro do impacto da resposta, primeiro silenciosa, nos olhos e na boca do professor. Franzidos, ele anunciou na frente da sala toda: "isso não existe". Não foi o único.
Ao longo da minha carreira, muites, das mais variadas maneiras, repetiram a mesma tese. Olho para trás com a certeza de que a nossa chance reside em criar o que não existe, o que nunca foi feito.
Achar histórias que não existem exige um mergulho absoluto em relatórios, dados e na bagagem das pessoas envolvidas (ai que saudades!) para ser capaz de ver (ou ler) o que não está na superfície.
Há alguns anos, enquanto lia um relatório sobre trabalho em condições análogas à de escravo no interior do Amazonas, encontrei o seguinte registro: uma manifestação com cerca de mil extrativistas do Alto e Médio Rio Negro. Parei ali. Se juntar mil pessoas na Avenida Brasil, no Rio, é trivial, reunir esse grupo de trabalhadores significa uma multidão descendo o rio em pequenos barcos, com ou sem motor (por dias). Mais surreal ainda era o motivo da marcha: defender o direito dos patrões no corte da piaçaba, sim, a palha da vassoura.
Foram meses de investigação e preparação de viagem para contar como a servidão por dívida aprisionava, há três gerações, extrativistas no corte da piaçaba. Assim nasceu: 100 anos de servidão , que seria agraciada com três prêmios.
Os extrativistas passavam semanas embrenhados na floresta, sem equipamentos ou qualquer estrutura, sob chuva e sol forte - fora o risco de sofrer ataque de animais peçonhentos. Eles cortavam, carregavam, separavam e preparavam toras de piaçaba. Os patrões, os comerciantes que controlavam a produção, também vendiam rancho (conjunto de comida e outros produtos necessários para um mês de trabalho). Enquanto o quilo da piaçaba custa R$ 2, o rancho custava cerca de R$1.500. Todo mês, cada piaçabeiro produzia uma tonelada de piaçaba, e o patrão ainda descontava 20% do pagamento por supostas "impurezas" no produto. Na prática, os piaçabeiros trabalhavam para pagar dívidas ao patrão. E esses mesmos patrões pagaram para mil piaçabeiros descerem o rio e fazerem a manifestação, que acabou despertando a atenção do Ministério Público - e me levando até lá pela Repórter Brasil, onde eu era editora.
Em uma das aldeias ouvi uma das histórias mais terríveis que já contei. Perguntei a um dos piaçabeiros o que o trabalho em condições análogas à de escravo tinha lhe roubado. "Meus filhos", ele disse. Ainda não consigo descrever o golpe, que me lançou, literalmente, no chão. Senti as pernas amolecerem, um calor na nuca, a visão ficou turva - só não foi pior porque meu parceiro de reportagem, o fotógrafo Fernando Martinho, conseguiu me segurar. Contadores de histórias são humanes.
Reproduzo o trecho da reportagem aqui:
Do piaçabeiro de olhos tristes Alberto Neres da Silva, 41 anos, a servidão parece ter roubado a capacidade de reação. “Primeiro eu fui perdendo meus filhos”, disse com um ar tranquilo, sobre a história que deveria ser contada como é: tragédia. Em épocas distintas de sua vida, e sempre no contexto da extração de piaçaba, ele perdeu três filhos. Todos mortos antes de completar um ano de vida devido às precariedades da vida nos piaçabais." As crianças morreram, segundo Silva, porque o patrão negou socorro.
NA PRÁTICA
Quem trabalha com direitos humanos e meio ambiente está cercado de histórias capazes de provocar mudanças reais, seja de consciência, comportamento ou estrutura. Às vezes, elas se perdem no caminho. Ou não são contadas como poderiam. Em 2021, eu e o colega Leonêncio Nossa, do Estadão, estivemos no Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (que está com inscrições abertas) para falar sobre como contar histórias difíceis . Compartilho com vocês uma das telas da apresentação:
Por que aquela é uma boa história?
Faça as perguntas certas, busque tudo o que já foi produzido e pense em como seria a sua campanha de impacto.O que precisa ser contado?
É o seu plano de voo, contando o que aprendeu sobre ela e o que surpreendeu você.Como você vai contar?
Aqui falo do formato, do seu público, dos personagens e da jornada de empatia que você pode construir.
Quem mais vai e pode contar?
É sobre protagonismo. Como eu sempre repito, diversidade: é sobre o que você fala e sobre quem está ao seu lado contando.Quais os riscos - para você e seu personagem?
Para você e para os personagens. É preciso incluir na resposta segurança digital, judicialização e ameaças.
Como visualizar e sentir o impacto?
Respondo retomando a história da servidão. Construímos uma jornada em vídeo, com infografia, rio acima. Assim, qualquer pessoa entraria conosco na história.
A distribuição é descentralizada?
Não é sobre postar nas redes sociais (o que também precisa acontecer), mas sobre as muitas outras maneiras de contar a mesma história - já falamos sobre isso na news #4, se você perdeu, corre lá.O que vai ficar?
Essa resposta nasce da campanha de impacto que você começou a desenvolver quando rascunhou a ideia do projeto.
💜💜💜 Não me aguento: agora somos mais de 1000 nessa comunidade por mudanças reais. Obrigada por acreditar e seguir na construção de jornadas de empatia.
Por isso, faço um convite (a próxima newsletter vai ser produzida por muitas vozes): me conta quem inspira você no seu dia a dia e por que? Pessoas, organizações, coletivos…
Vem conversar comigo no thais@fala.art.br - ou simplesmente respondendo a esse email
🦉As lições de quem ultrapassou a Disney no Tik Tok
Não é para qualquer um. Ainda mais quando esse um é uma coruja de pelúcia verde, a Duo, mascote da Duolingo, um aplicativo de idiomas. São 6.6milhões contra 4.1 mi. As lições de Zaria Parvez, a gestora de 24 anos à frente da conta. Via Source
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Comunicação precisa ser, obrigatoriamente, um pilar transversal na sua organização (e isso vale para redes sociais e para todo o restante)
As pessoas querem ser entretidas, não é sobre venda ou uma conversão
Você precisa de ume criadore de conteúdo que possa participar das tendências e ser ume influenciadore
O custo de produção tem que ser baixo
As pessoas da sua organização devem ajudar a contar essa história junto com a pessoa criadora de conteúdo
Faz parte do conteúdo transmitir os valores da empresa
E porque adoramos uma infografia…
💌 Essa é uma newsletter mensal sobre impacto, estratégia e ESG (com foco em direitos humanos, meio ambiente e democracia) enviada sempre no finzinho do mês. Para receber as próximas, inscreva-se:
⚡⚡⚡ Sempre tem mais…
Para ver agora: A Biblioteca Literatura Livre do Sesc, com um acervo gratuito de obras da "literatura africana, árabe, asiática, europeia e judaica, traduzidas para o português". Aqui.
Para ver com calma: DESCENDANT, o documentário de Margaret Brown. É a história de Clotilda, o único navio conhecido a contrabandear africanos para a América. Qual é o impacto na história e na vida das próximas gerações?
Utilidade Pública
(com Ryan Reynolds, Brasil!)
👉 1Password: é o aplicativo que armazena e gera senhas "excelentes", como o app diz, para você proteger seus dados, a sua família e o local onde você trabalha. Gratuito para uma série de profissionais, como freelancers.
Ps: a campanha da marca com o ator Ryan Reynolds
🫶 Tem alguma utilidade pública para compartilhar? Estou em thais@fala.art.br
Obrigada por ler a FALA. Se você gostou, compartilhe com alguém que também vai gostar:
Olhar para fora e….
para dentro, sempre
Via Lucas Schuch
Ótima, Newsletter! Muito informativa e inspiradora!